sexta-feira, 13 de março de 2009

Encontro de remansos

Sabe o que são remansos? Remanso é aquilo que em calma, está em movimento numa velocidade distinta daquela a que estamos habituados... É coisa de mar. De longe, vejo esses remansos... E dá vontade de tocá-los... Ah... Mas remanso é remanso só por si só... Vez em quando quase esbarra noutro: o cavalo marinho que vaga em seu destino distinto da alga que acaba de cruzar o seu caminho... Verdade é que o remanso do cavalo marinho quer dormir no colo da alga...

...remanso é átomo de mar, bolhinha de peixe... mas esse já é outro remanso.

Ela levantou-se da poltrona em direção ao aquário suspenso na mureta que divide a cozinha da sala. Pés calçados em meias listradas em azul e cinza e moletom, completo. Seu frio era brando, suficiente ao aconchego da tarde daquele feriado. Os peixes já estavam alimentados quando Mariana percebia que os que subiam à superfície já não eram aqueles de sua narrativa: Na verdade pusera mais comida no propósito de destacar os menos favorecidos dos já bem servidos. Era hora da observação! Quais pares se formariam? Quantos perfis psicológicos surgiriam daquele grupo?

O visgo da alga ainda seduzia o cavalo marinho, apesar de não mais oferecer-lhe a divina proteção por estar habitada por espadas que migram por todo o aquário e regridem ... Definitivamente ali não seria ambiente ao sagrado do cavalo marinho. Espadas são vulgares, semi nobre, nada comparado aos acarás bandeiras que assim como os acarás discos são soberanos e transitam por todo o espaço sem serem influenciados pelos ânimos exaltados de peixes insignificantes como os paulistinhas. Mais insignificantes são os neon, que de tão insignificantes precisam de luzes pra chamar a atenção.

Mariana levantou-se novamente do sofá agora em direção à geladeira em busca dos bombons que achara na padaria do supermercado do vilarejo.

Escutava de longe o canto gregoriano, cd novo que o pai escutava no quarto onde estava. Andara vagarosamente até a porta do quarto onde seu pai repousava depois de uma cerveja e frango à passarinho com fritas. Atravessara o quarto a passos leves em direção à varanda de onde se avista o mar. Manso o mar baixo compunha bem em harmonia com o céu de brancos de nuvens calmas e gaivotas revoltas por sua vez de se alimentar.

Delicadamente, Mariana poli o som de seu pai ao canto das gaivotas e sai para a praia a fim de aproveitar a tarde.

Caminhava vagarosamente e sentindo o craquelar dos grãos de areia, um friccionando o outro com seu peso, percebe a distância que tomara da pousada. Os corais de arrecife que alinhavam-se com a areia da praia, convidando-a a continuar uma caminhada em direção ao mar, ofereciam cores e formas embrenhadas de verdes e o marrom avermelhado dos musgos. Sentia que havia um universo ali. Seus olhos repetindo os reflexos da luz na água, alcançam uma concha branca e semi amarelada, fragmentada pelos movimentos da água. Inclinando-se, apanha a concha e se estende e lembrando-se que quando pequena ouvira da concha o próprio som da maré, mas experimentando-a escuta um vazio. Nada além do que estava lá.

Uma brisa suave lhe toca a testa quando Mariana, inclinando a nuca, avista umas pedras grandes onde algumas ondas que já banhara os recifes acabam por espalhar suas espumas. Resolve assim, caminhar até elas. Chegando lá percebe relevos de desgastes pela água nos quais a água chega por cima e por baixo formando remansos onde folhas de musgos acompanham seus movimentos qual pluma no vento nas esquinas da cidade. Mariana vira que algo era pensado naqueles movimentos, mas que a lógica dos seus pensamentos não justificavam verdadeiramente uma razão de ser para aquilo.

Era hora de voltar, afinal queria aproveitar o máximo do passeio e sentia que sua experiência ao certo se enriqueciria se compartilhada com alguém. Daquela tarde, sabia que podia levar em si a experiência de um caco de concha que se vai sutilmente solto no mar até se encontrar no redemoinho do acaso, quando o movimento de seu destino propõe um outro desígnio distinto da soltura de uma história particular encontrada num remanso. Era hora de regressar à pousada, já que tanto do passeio se colheu.

A essa altura da sua vida, Mariana já sabia que o verbo saber, como se conhece cronologicamente transformando-se em conhecer, não se aplicava, pois, à história daquele fragmento de concha, já que ele não pensava, tampouco à alga que se acomodava para acolhê-lo. Os passos leves e confiantes de Mariana palmilhavam a areia como quem vence a própria existência.

2 comentários:

Liliana Simão disse...

Não consegui foi parar de ler e imaginar a cena tim tim por tim tim... Vc é lindo meu amigo! Coisas assim só poderia sair de dentro de vc... Bjim

Renata de Aragão Lopes disse...

Remanso
é tudo que não sou...

Um abraço.
doce de lira